Amor platônico

Não tem coisa mais solitária do que amor platônico, amar em silêncio, proibido, sem tomar qualquer atitude. Acordar e dormir em uma felicidade solitária. Sonhar acordado com o momento de se deparar com a pessoa amada, que faz vibrar uma felicidade tamanha a ponto de suspender a respiração. A idealização perfeita, construída e polida diariamente por quem ama. Uma projeção a qual se deposita no ser amado, características, desejos e atributos dos quais se almeja naquele(a) que supostamente caiu do céu, a metade da laranja. Mas além desta magia, quero ressaltar que este amor é capaz de fazer sofrer e procrastinar afazeres para devanear e refletir um vazio.

O poema abaixo de Fernando Pessoa expressa bem a ideia do amor platônico.


Amor Platônico

Eu sou apenas alguém
ou até mesmo ninguém
talvez alguém invisível
que a admira a distância
sem a menor esperança
de um dia tornar-me visível
e você?
você é o motivo
do meu amanhecer
é a minha angustia
ao anoitecer
você é o brinquedo caro
e eu a criança pobre
o menino solitário que quer ter o que não pode
dono de um amor sublime
mas culpado por querê-la
como quem a olha na vitrine
mas jamais poderá tê-la
eu sei de todas as suas tristezas
e alegrias
mas você nada sabes
nem da minha fraqueza
nem da minha covardia
nem sequer que eu existo
é como um filme banal
entre o figurante e a atriz principal
meu papel era irrelevante
para contracenar
no final.

(Fernando Pessoa)


A nostalgia desta fantasia amorosa, um sonho que se sonha sozinho. Uma beleza e algo puro que dói intensamente porque se tem a ideia de que o outro irá me completar. Tal como duas metades, mas as pessoas são inteiras. A construção do “e foram felizes para todo o sempre” não condiz no mundo real. Em algum momento, surge uma mágoa, uma briga, ciúmes, dentre outros, dos quais pessoas “inteiras” conseguem superar e amadurecer e fortalecer a própria relação. Já no amor platônico nada disso existe, porquê estamos falando um sentimento que não é permitido, ou que o sujeito que ama não se permite amar de outra forma.

O amor platônico, traz à tona o medo de se machucar nas relações que envolvem o afeto. Que vínculo tão importante despertou uma mescla de amor através do desprezo? Analisar as possibilidades e refletir através de lembranças e recordações, que irão certamente elucidar feridas importantes para serem cuidadas e tratadas através da psicoterapia que pode desta forma auxiliar e ajudar a superar o sofrimento causado por um amor que é fadado a um vazio sem tamanho e permitir que este afeto seja direcionado de modo mais saudável e assertivo, viver o afeto e não só idealizá-lo.

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